Como enriquecer as suas histórias -parte 02: modernizando a mitologia e fantasiando a história.

Narrativando
4 min readMay 22, 2021

--

Com o recente sucesso de da série brasileira Cidade Invisível discussões acaloradas na internet surgiram sobre a fidelidade da série da Netflix. Pessoas reclamando que as criaturas mitológicas não deveriam estar no Rio de Janeiro entre outras coisas. Bom, eu como apreciadora de todo o tipo de história não poderia deixar de aproveitar essa polêmica pra incrementar a nossa série sobre como enriquecer histórias. Ta sem ideia pra roteiro? Vem comigo nessa viagem!

Banner de propaganda de Cidade Invisível série da Netflix

Mas se engana quem acha que nossa viagem começará pelo Brasil, na realidade ela vai começar do outro lado do mundo, no Japão! E porque no Japão? Porque os japoneses são verdadeiros especialistas em transformar elementos mitológicos e históricos de seu país em cultura pop, sempre com muito sucesso. Mas isso não é ruim? Não é uma falta de respeito? Não e não! A ficção e a fantasia não tem obrigação nenhuma de ter acurácia histórica, isso é próprio de outra mídia, a do documentário. Da mesma forma uma mitologia ou folclore como queira chamar se trata de algo que é transmitido de forma oral de geração em geração, sofrendo alterações no decorrer do tempo por cada pessoa que a passa em diante. O que eu vou falar agora que fique claro, não é baseado em nenhum dado real, e tão somente na minha experiência como alguém extremamente ligada a cultura do anime e mangá que fez centenas de eventos de anime e trabalhou em sites de notícias especializados. Hoje em dia é mais fácil você encontrar jovens que sabem sobre elementos da mitologia ou história do Japão do que sobre a mitologia e história do seu próprio país!

Sengoku Basara da Capcom, bóra passear no cavalo motorizado do Masamune Date?

Os japoneses não são idiotas, eles valorizam cada pedaço da história de seu país (exceto o massacre de Nanquim, mas isso é outra coisa), e a maior prova disso é que em boa parte dos universos de fantasia existem personagens históricos, mas eles nem sempre estão lá do jeitinho que eram. O mangá, o jogo, o anime e etc são formas de entretenimento, sempre foram e sempre serão. A sociedade japonesa é uma das mais aterradoras no quesito exploração do trabalho e repressão da individualidade. O mangá cresceu (inclusive com incentivo do governo) justamente por tirar as pessoas um pouco da realidade e dar algum alívio nas suas rotinas exaustivas de cobrança por todo lado, família, trabalho escola. Para que ele cumprisse esse papel ele jamais poderia ser algo realista. Quem quer saber de realidade trabalhando 12 horas ou mais por dia? Ai que está o pulo do gato (como diziam os antigos), os japoneses nunca foram de se restringir em termos de temática nos mangás igual os ocidentais nos quadrinhos, logo se tornou comum usar personagens históricos ou modernizar elementos da mitologia local, nem os deuses xintoístas escapam, na verdade nem Buda e Jesus escaparam.

Date Masamune de Segoku Basara e o Date Masamune “real”, desculpa gente mas eu prefiro o gostosão da esquerda (que me levou a aprender mais sobre o da direita).

A coisa boa de se utilizar a história e a mitologia é que se cria entre os consumidores a vontade de conhecer as fontes. O que eu vi de pessoas estrangeiras querendo saber quem diabos é o Curupira, não tem tamanho! Sabe o que é isso? É riqueza, é exportação da cultura, valorização de um país lá fora. O Japão sempre soube disso e por isso sua indústria cultural ganhou apoio do governo para ser exportada e hoje existe evento de anime desde o interior de Goiás até na Estônia. E ai que voltamos ao Brasil. Que me desculpem os puristas e os ufanistas; os centenas de criadores de quadrinhos e jogos chatos sobre folclore brasileiro que surgem todos os anos e desaparecem rapidamente; me desculpem os que seguem os escritos de Câmara Cascudo como uma bíblia imutável; os que comemoram dia do índio vestindo os filhos com umas penas e pintando a cara das crianças contrariadas sem entender nada. O Brasil tem um imenso território com uma riqueza de histórias e mitologia em cada lugar, o mundo precisa conhecer nossaS maravilhosaS culturaS, perceba a ênfase no plural.

Desculpa ai Wanda Maximov, sou mais a Cuca.

Quando for escrever sua próxima história, que tal ao invés de copiar o padrão estadunidense e japonês você criar um saci cyberpunk com uma perna biônica lutando contra uma invasão estrangeira, ou alien? Uma tropa de cangaceiros enfrentando um inesperado visitante de outro plano? Um tropeiro que entrou numa caverna misteriosa enquanto buscava um bezerro perdido e conheceu horrores lovecraftianos? Tudo depende de você, até breve!

--

--

Narrativando

Melina Juraski — Game/ Narrative Designer, Roteirista, Narradora profissional, Escritora de RPG, Geógrafa e Publicitária.